Jaime Soares nasceu a 14 de Janeiro de 1987, em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas (Português/Inglês) e mestre em Estudos Anglo-Americanos (Literatura e Cultura), pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Em 2020, concluiu uma pós-graduação em Escrita de Ficção, pela Universidade Lusófona de Lisboa. Apresentou algumas comunicações em conferências no Porto, em Braga e em Boston (neste último caso, in absentia). A revista da Don DeLillo Society inclui um artigo da sua autoria intitulado “Don’t blame the players, blame the ‘system’: a systemic reading of Don DeLillo’s The Names” (2017). Por outro lado, em 2018, conquistou o Prémio Literário Germano Silva – Rotary Club de Penafiel com a obra A Cor Verde (Editorial Novembro, 2018). Actualmente Jaime Soares trabalha na indústria têxtil, e lê e escreve nas horas vagas.
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TESOURO
“Dormir é meio sustento”, ouvia em criança. Uma frase repetida por aldeões quando, da terra, se colhiam poucos frutos.
A malga dos avós parte na cozinha. O agricultor desperta. Qual flecha, afasta-se da mesa, fazendo a cadeira tombar. Grita pela esposa, Lara. Fita-a, corada. Ajoelha-se, bafeja na tijoleira, apanha os cacos para um saco; doem-lhe as costas.
A cozinha está quase arrumada. O agricultor inclina-se sobre a mesa, cheia de broa, e retoma a sesta. Na eira há milho por limpar, mas o casal quer secá-lo ainda mais. A cabeça do agricultor repousa sobre o braço moreno. Sorri, como quem viaja para longe ou desce fundo. Por sua vez, Lara quer ir o quanto antes para casa da patroa. Caminha de cabeça baixa, parecendo contar cada passo, em direcção à porta azul. Fecha-a sem olhar para trás.
Como quem deita a mão ao relógio, o agricultor acorda agora. Ajeita o bigode, esfrega a careca, sobe à eira. Acende um cigarro; olha ao redor para a paisagem transformada em pedras e ramos. Entretanto, os animais mugem lá no estábulo. Ronca-lhes que esperem.
O milho vai secando. Pensa na margem de um rio prestes a desaparecer na qual se misturam folhas e carolos. Gosta do que vê, acha que é bom. Não se imagina a viver longe da terra.
O final do dia resulta abrasador. O casal toma banho no pátio que dá para a cozinha: gelo e dois dedos de água no alguidar. A jardineira e as ceroulas dele ficam espalhadas pelo chão. Dela, apenas a bata.
(…)
Fragmento do conto “TESOURO” de A Cor Azul (Editorial Novembro, 2021), obra composta por dois contos, “Tesouro” e “Contrato”.
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