Todas as casas
Todas as casas que habitei,
Em algum momento estiveram vazias.
Despidas dos corpos e das rotinas dos seus habitantes,
Convertidas em catedrais do silêncio.
Todas as casas vazias são mudas!
Os corredores que percorri
Choraram nos ecos dos passos
A angústia da solidão.
Calei-me, tantas vezes,
Para que as casas se pudessem pronunciar
E recolhi-me à imobilidade contemplativa.
As paredes e os móveis,
As camas, as roupas e os quadros
Permaneceram indiferentes.
Convoquei então os livros e a música
Para o reconforto do sofá
Porque a inércia das casas
Tornava-me preguiçoso para escrever.
Há no silêncio das casas
Algo oposto ao silêncio da Natureza!
As casas não vivem por si sós
E podem ser sarcófagos para a fuga do Mundo,
Onde os sucessivos descansos
São antecâmara da morte aos poucos.
As casas devem ser abrigos e não moradas!
As casas nunca terão saudades tuas!
As casas são, por definição, vazias!
Nunca permitas que as casas te esvaziem.
Não te resignes a ser o mobiliário falante.
De cada vez que regressares à casa onde habitas
Faz por seres e estares cheio!
Conta-lhe as novidades do Mundo fora de portas.
Que tenha ciúmes da vida que levas,
Das outras casas e dos outros quartos.
E ainda que a trates com carinho,
Nunca te prendas a ela, ao seu engano.
A porta de entrada é a porta de saída
E os corredores não chorarão nenhuma solidão
Por falta dos teus passos!
Tu tens a chave!
Quando o silêncio te convocar, sai!
E vai ao encontro da (tua) Natureza!
in “AINDA DO SER” – Seda Publicações, Junho/2017
**
Paulo Ricardo Corticeiro de Sousa Moreira, nasceu em Coimbra, a 11 de setembro de 1976. Com três anos de idade emigrou com os seus pais para o Brasil, tendo vivido em Campo Grande e Corumbá, no Estado do Mato Grosso do Sul. Regressou a Portugal em 1990, para a região de Aveiro. Publicou os livros de poesia e prosa poética “SER” (junho de 2016, com segunda edição em outubro do mesmo ano) e “AINDA DO SER” (junho de 2017), ambos pela Seda Publicações. Viveu na região de Mývatn, na Islândia, de junho de 2017 a dezembro de 2018, onde principiou e concluiu o seu terceiro livro, a publicar ainda este ano. Actualmente, reside em São João da Madeira, Portugal.”
Nota do autor: este video-poema faz parte de um conjunto de três que foram filmados em Mývatn, na Islândia” e foram produzidos por Lucas Torres Ausejo.
You might also like
More from Paulo Ricardo Moreira
A voragem de um tempo lento ou de uma barba por fazer | Paulo Ricardo Moreira
Não se trata apenas de ter, por fim, uma voz grave, depois de tantas regurgitações emdesafinação melódica das tuas frases …
Cadernos da Islândia
Cadernos da Islândia é uma panorâmica pensante e viva, o reflexo de um paraíso que anuncia, através da palavra, um …