A dor atravessava o meu peito; uma agonia incessante. Como podia padecer assim, com um dentre tantos problemas profissionais? Afastei-me por alguns minutos, recolhido na copa, onde teria um pouco de privacidade. Alana chegou e me perguntou se estava bem. Disse que sim, justamente para não encompridar a conversa. Mas a dor já irradiava pela cabeça. As têmporas latejavam. O coração pulava descompassado, prestes a saltar pela boca. Achava que seria ali, naquela hora, o derradeiro instante. Luiz tinha me telefonado pela quinta vez no dia, e só eram dez horas da manhã. Ele esbravejava, culpando-me pelo lapso de ter deixado passar uma cláusula do contrato, que obrigava a outra parte ao pagamento de uma multa por infração. Essa, de fato, não era a primeira vez que me esquecia. Ou seria o cansaço que me fazia esquecer? Pensei em pedir as contas, assim, me vendo de dor. Logo pensei, pela milésima vez, no meu filho pequeno, na minha esposa desempregada e na minha mãezinha, que acabara de completar setenta anos, cheia de achaques. Tanto não podia pedir as contas como não podia morrer. Eu sentia que perdia as forças. Um vulto preto começou a adensar a vista, e em instantes via tudo preto. Gritei para Alana, um grito louco, explosivo. “Alanaaaa!”. Notei-a ao meu lado, apertando o meu peito, o que me fazia perder a respiração. Já aí não conseguia responder. Não sabia se tinha desmaiado ou o quê. Meu coração logo diminuiu a aceleração. Eu estava em paz. Uma sensação leve me impregnava, como se retirasse uma tonelada das minhas costas. Não sabia o que se passava, e isso não me preocupava; nada me preocupava. Com pouco mais, percebi a presença de dois homens apertando o meu peito, mais forte do que fizera Alana, e incrivelmente eu não sentia nada. Eu os via, estando do lado de fora da cena. Alana, agarrada a um terço, rezava e chorava. “Ele não pode morrer… Nossa Senhora, tende piedade dele!”. Os enfermeiros empurraram-na para longe; pelos rostos ríspidos, ela estava atrapalhando. Luiz, o gestor, adentrou gritando, perguntando que confusão era aquela. Parou uns instantes, petrificado, sem acreditar. Entrei em seu pensamento. Eu podia, naquele instante, estar onipresente, onde quisesse. Ele refletia que eu poderia morrer e deixá-lo na mão. Só aí soube que era imprescindível para ele. Ele sempre me prometia, por chantagem, me colocar para fora, sabendo que precisava muito do trabalho, para sustentar a minha família. Decidi que devia morrer. Pedi a Deus, por clemência, e que ajudasse a minha família a superar. Eu não suportava mais passar por tanta humilhação. Maria, minha esposa, havia prometido, na semana passada, que prepararia quitutes para eu vender nas ruas, pedindo para que eu abandonasse essa “loucura”. Depois de alguns minutos retornei. Abri os olhos e todos, ainda chorosos, louvaram a Deus – até Luiz, ainda que de forma envergonhada. Do nada, apareceu um médico para atestar a minha vida – o que não era preciso, já que todos viam que respirava e olhava atônito. Preferiu levar-me ao hospital, para uma bateria de exames. “Ele teve uma parada cardíaca e pode ter novamente, se não prevenirmos logo”. Antes de sair, com a voz fraca, dei-me a libertação, dizendo que não mais pisaria ali. Luiz dignou-se a falar, precisamente: “Ah, fi de uma égua ingrato!”.
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Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro romance Flor no caos, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos Contículos de dores refratárias e o ano em que tudo começou; em 2021 o romance Em mim, a clausura e o motim, pela Editora Penalux; e em 2022 a coletânea de contos Não há de quê”, pela Editora Folheando. Colabora mensalmente com as revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
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