Em qualquer contexto fazer literatura é um ato de resistência. Comparando com as produções de outras artes, uma música, um filme ou uma peça de sucesso tende a atingir e ser referência pra milhares, enquanto um livro de autoria renomada, com grande circulação deixa o autor saltitante se vender 10 mil exemplares e, segundo os próprios escritores, isso é difícil de acontecer. Como disse Marçal Aquino “…o que são 3 mil exemplares (tiragem média) num universo de quase 200 milhões de brasileiros?”.
Literatura é a arte do público-mínimo. Se olharmos pro contexto das periferias de SP, quantas pessoas de fato frequentam saraus, slams, bibliotecas e debates literários? E se juntarmos com os eventos que acontecem em todo Brasil, nas periferias ou fora delas? Eventos como a FLIP ou as Bienais, estão lotados pelo interesse real no livro ou pela prioridade do desfile?
Nas editoras que surgiram de trabalhos coletivos das quebradas daqui, alguns livros chegaram perto e outros até ultrapassaram esta vendagem média, pela lida insistente e de coluna doída do escritor-mochileiro. A diferença é que publicar na quebrada significa escrever, aprontar, revisar, divulgar, carregar, vender, declamar seu próprio livro, e ser o responsável direto pela formação do leitor.
E apesar da maioria das editoras graúdas estarem se lixando pra nossa produção, é comum ver os livros da Cia das Letras, Record, Alfaguara e afins, nas mãos faceiras de saraus, slams e espaços consolidados nas quebradas afora, Nada contra, sinal de que as pessoas estão lendo mais, a encruza é contribuir com a venda das grandes editoras, na proporção do público-mínimo, mesmo sendo ignorados por estas corporações.
Agora a bola da vez é o perigo da “falência” das editoras, a crise do mercado editorial, mas pra quem produz nas bordas isso faz pouca diferença, pois mesmo quando a “falência” não assombrava, nossa produção já era concebida no nóis por nóis, pois na literatura e na vida somos peritos em transformar ausência em reinvenção. Mesmo assim, não creio que a mochila seja o único futuro possível da literatura, enquanto a editoração graúda mantém, mesmo em menor escala, a distribuição, os prêmios e a critica pros mesmos de sempre.
A tal “falência” editorial não me amedronta, não dependo desta lógica, esse é um sistema que potencializa, mas não é fundamental na caminhada. Pelo gosto e pela necessidade sou um escritor-mochileiro e percebo que até os parceiros que publicam em editoras de médio e grande porte, vendem mais livros na mochila do que nas livrarias.
Por outro lado, acreditar que o futuro de toda literatura é a mochila, dá a sensação ilusória de que somos a bola da vez e garantimos um lugar ao sol, mas não é de hoje que crítica, concurso, editoras graúdas e a mochila coexistem. Sair na rua a procura de leitores não é um bang novo, tampouco somos os pioneiros do rolê.
Que o diga a lida secular dos cordelistas nas praças e feiras dos agrestes e metrópoles afora, a labuta de milianos da poesia negra mangueada em associações e rodas de versação, a escolha pelo estilo artesanal da geração mimeógrafo nos anos 70, além da labuta de Plínio Marcos nas filas de teatro em Sampa, nos anos 80, e dos coletivos Poesia Maloqueirista (SP) e Ratos di Versos (RJ), exemplos pulsantes de circulação literária no asfalto nos últimos anos.
Porém, há um fluxo eficaz e operante. A crítica referenda a indicação aos prêmios literários, compõe as bancas avaliadoras, faz o comentário oficial e garante a visibilidade das grandes festas e feiras. Os concursos diminuíram, mas continuam definindo o que é “bom”, e as editoras “falidas” (se é que estão), garantem a circulação, ao menos virtual, que nenhuma mochila suporta, bombando a divulgação com pautas em jornais e programas jabás.
Pra mim não muda nada, se há “falências” ou falácias continuo com a mochila pesada, na intenção do retorno leve e na querência que meus livros sejam leitura na viela da esquina, num quadrado acadêmico, num ribeirinho paraense, num busão de Bombaim, no inverno de Berlim, num mirador de Valparaíso ou no pôr do sol em Maputo, e se minhas mãos não levarem, que outros ventos levem, palavra é movimento, confio e assim seja.
Michel Yakini é escritor e produtor cultural.
NOTA: a foto do autor é de Sonia Bischain.
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