Agradecimento: a Mona Kareem, poeta, ativista e amiga de Ashraf Fayadh, pelo esclarecimento generoso do significado e do sentido de certas palavras e expressões árabes, que enriqueceu terminantemente a tradução.
Nota de Palavra Comum: agradecemos a José Pinto ter escolhido esta revista para a publicação das traduções dos poemas, com a vontade de partilhá-las com o público interessado.
ON THE VIRTUES OF OIL OVER BLOOD
Oh you who have been made homeless—
your homelessness sprawled across lands
penniless
and in despair
as oblivion unfurls between your ribs
The mute blood of yours will never speak out
as long as you brag about death
and proclaim secretly how you’ve safeguarded the soul to those who cannot understand it.
It will take ages to lose your soul and console your eyes’ fear for all the oil it once gushed.
This was what a leader of the people said:
Whoever has oil can meet his needs from its by-products
which is far better than he who torches his eyes—
and turns his own heart into a god.
You don’t own enough—
to console you in the face of time’s tribulations
you don’t own a tap of blood—
to spend in the face of broken values
nor do you have enough to extract
a tax on that soul of yours that time has wearied.
You don’t have enough to help you through one day of exile.
You tremble now—
So take what there is of your blood
to fill the belly of exile—
to gather the overseers’ oil
and smother their intention to drag away your soul.
Ask forgiveness from the waters of the river—
and loudly apologize as your blood seeps into its waters.
It is through oil—that you resist!
As you unfasten those secured bras
and leisurely taste the cherries and all else—
and enjoy the wetness between the thighs—
may all pleasure be blessed.
What next—
when all heretics have pitched the axe into your shoulder?
And it has been said that you have gambled with blood that cannot fill desire
and that you have filled the taverns with the malaise of joy—
in order to grab a glass for free.
For free—
aborted words
a used tobacco pouch
and a box—where your mother once trapped your scream—
so that the river can spit you out onto the shore of fear, a kind you’ve never known.
And there, thunder assures you it can inseminate the clouds—
and give birth to rain that will yet be unable to wash the shame of fear from a river sleeping in the arms of defeat.
Black pellets of oil—
circulate throughout your cells
healing what your nausea
could not vomit.
Oil is utterly blameless
except for its stains of poverty
the day when the faces of those who discover another oil well turn black
and your heart—will be filled with new life so that your soul is resurrected as oil
for public consumption.
This is the promise of oil—a promise that will come to pass—
The end—
***
DAS VIRTUDES DO PETRÓLEO SOBRE O SANGUE
Traduzido por José Pinto, a partir da tradução em inglês de Mona Zaki
Original na coleção de poesia do autor Instructions Within, 2008
Oh vós, que vos fizeram sem-abrigo –
a vossa falta de teto estendeu-se pelos países,
sem um cêntimo
e em desespero,
enquanto o esquecimento se desvela entre as vossas costelas.
O teu sangue mudo não vai falar mais alto
enquanto te orgulhas na morte
enquanto continuas a anunciar – em segredo – que guardaste a alma
aos que não a compreendem.
Perderes a alma vai custar tempo,
mais do que é preciso para consolar o medo
nos teus olhos, que têm jorrado petróleo.
Um líder disse:
quem possuir petróleo terá as necessidades satisfeitas a partir dos seus derivados,
o que é de longe preferível a quem ilumina os olhos
e volta o seu coração a um deus.
Não tens que baste
para te serenar nas tribulações que virão
a torneira de sangue não é tua –
para gastar nos valores perdidos
nem tens que chegue para ficar
com uma taxa sobre a tua alma exausta.
Não tens o suficiente que te faça suportar um dia de exílio.
Agora tremes –
por isso pega no que há de sangue teu
e enche a barriga do exílio –
para reunires os supervisores do petróleo
e asfixiar as suas intenções de arrancar a tua alma.
Das águas do rio pede perdão –
e desculpa-te a bom som, enquanto o teu sangue se esvai nelas.
Através do petróleo – resistes!
Enquanto desapertas aqueles sutiãs
e saboreias lentamente as cerejas e tudo –
e desfrutas da humidade entre as coxas –
que todo o teu prazer seja abençoado.
Que mais –
quando todos os hereges pregarem o machado no teu ombro?
E tem-se dito que apostaste sangue do desejo
e que encheste as tabernas de riso maníaco –
para aproveitar um copo de borla.
De borla –
palavras abortadas,
uma onça de tabaco usada
e uma caixa – onde a tua mãe, certa vez, prendeu o teu grito –
para que o rio te cuspa para a orla de um medo que não conheces.
E aí, o trovão assegura-te que ele insemina as nuvens –
e cria chuva que não conseguirá ainda lavar a vergonha do medo de um rio a desaguar
nos braços da derrota.
Bolhas negras de petróleo –
circulam nas tuas células,
curam o que a náusea
não vomitou.
O petróleo é inofensivo,
exceto pelo rasto de pobreza que deixa para trás
naquele dia, quando as caras dos que descobrem outro poço enegrecem*,
quando a vida incendeia o teu coração para ressuscitar a tua alma em petróleo
para consumo de todos.
Isso é a promessa do petróleo, uma promessa verdadeira**.
Fim…
—
* Alusão ao Corão 3:106.
** “É a promessa de…” é uma expressão alusiva ao Corão 10:4; 18:98. Nos textos, Deus começa por questionar, depois declara as recompensas e no fim é usada esta expressão com vista ao acesso ao céu. No poema, ao petróleo.
*****
THE NAME OF A MASCULINE DREAM
While you excel in worshipping anxiety—
didn’t you notice that your arteries have failed to pump your insomnia up to the eyes?
Didn’t you notice?
That the hearts of those abandoned on the pavements of the night
have split from your vision so many times?
The patterns of the night continue their work
until dawn appears on the edges of clouds gathering
on the ceiling of your imagination.
Didn’t you also notice—
how you enjoy interpreting the arteries of women
and the bodies tossed on the roofs of memories from long ago?
Your pages have been soaked with the sludge of exegesis
and not one word has been read
like you
these pages have exhausted all languages known to earth
in order to offer a name that matches your definition of self
your name—like an inkwell pregnant with possibilities
your build defies all definitions of its organs combined.
Come stand to where the thunder can see you so that your emaciated body may dissolve
and your soul be resurrected as a cloud followed by rain
pouring down life to where your name is not even a dream
that won’t come to pass as long as you’re unable to abandon the definitions
of dubious pleasures and drunken nights
and those who call out the sacred names of love.
Come—for the night is long for the beloved,
not long enough to write about pleasure
or bodies saturated in the smell of peaches
absorbed in all the forbidden pleasures of the night.
Come—to where the cloud chooses to shift your sickly form
and snatch your soul from its exile—
from a heart that had openly declared the absence of love
and from the mirages of the assumed homeland you thought you belonged
to every grit of its earth.
Since when does the wind honor traffic laws?
Since when?
Did the wind ever stop at your red light?
How long have you coaxed it to stop
so you could gather a few words
or find some news no longer fit for print?
Your eyes will confess that insomnia
has violated the secrets of the night
and the night too won’t keep silent for long.
Your heart is an idol to which your arteries have absconded
And they no longer offer your veins as sacrifice
as tribute to the throne of beautiful gods
Your name means nothing to me
it cannot deliver me of all the sins of drought
and it cannot supplicate the night so that I can walk free from its isolation
your name is a lost number—
a weight that has broken your back!
***
NOME DE UM SONHO MASCULINO
Traduzido por José Pinto, a partir da tradução em inglês de Mona Zaki
Original na coleção de poesia do autor Instructions Within, 2008
Enquanto veneras a ansiedade com excelência –
não reparaste que as tuas artérias deixaram de levar a insónia aos olhos?
Não reparaste?
Que os corações dos que abandonaste nas calçadas da noite
se fenderam da tua visão tantas vezes?
Os ciclos da noite continuaram a trabalhar
até o amanhecer despontar na beira das nuvens
no teto da tua imaginação.
Não reparaste também –
como adoraste ler as artérias das mulheres
e dos corpos atirados para os telhados de memórias longínquas?
As tuas lágrimas embebidas no pântano da exegese*
e nem uma palavra foi lida
como tu
estas lágrimas esgotaram todas as línguas conhecidas da Terra
para um nome que define o teu conceito de Eu
o teu nome – como um tinteiro cheio de possibilidades
desafias todas as definições dos seus órgãos combinados.
Vem para onde o trovão te veja, para que o teu corpo esquelético se dissolva
e a tua alma ressuscite como nuvem e depois chova
derrame a tua vida por onde o teu nome nem sonho seja,
que não fosse enquanto és capaz de largar as definições
de ambíguos prazeres e noites embriagadas
e dos que clamam os nomes sagrados do amor.
Vem – a noite é longa para os amantes,
não muito para escrever sobre prazer
ou corpos saturados de odor a pêssegos
absortos nos prazeres proibidos da noite.
Vem – para onde a nuvem transforme a tua náusea
e tire a tua alma do exílio –
de um coração que declarou a ausência do amor
e das miragens da suposta terra natal onde pensas pertencer,
para todo o grito de coragem da terra.
Desde quando o vento respeita as leis do trânsito?
Desde quando?
Alguma vez parou no sinal vermelho?
Há quanto tempo o tentas parar,
podias juntar umas palavras
ou encontrar notícias sem ser para imprimir?
Os teus olhos irão confessar que a insónia
violou os segredos da noite
e a noite não calará muito mais tempo.
O teu coração é um ídolo para o qual as artérias se escaparam
e elas já não oferecem as tuas veias como sacrifício,
tributo ao trono dos deuses esplêndidos.
O teu nome não é nada para mim,
não me pode redimir dos pecados da seca
e não pode suplicar a noite para que o liberte da sua solidão
o teu nome é um número perdido –
um peso que te derreou as costas!
—
* Interpretação e comentário ou explicação do verdadeiro sentido de um texto, habitualmente conotado com os textos bíblicos.
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