BERTRAN DE BORN (…1159-1215): tradução de Graça Videira Lopes
Rassa, tan créis e monta e póia
Rassa, tant créis e monta e póia cela qu’es de totz engans vóia sos pretz a las autras enóia, qu’una no·i a que re·i nóia; que·l vezer de sa beutatz lóia los pros a sos obs, cui qu’en cóia; que·l plus conoicent e·l melhor manténon adés sa lauzor, e la ténon per la gençor; e sap far tan entiéra honor: non vol mas un sol preiador. Rassa, domna ai qu’es fresc’e fina, coinda e gaia e mesquina: pêl saur, ab color de robina, blanca per cors com flors d’espina, cóude mol ab dura tetina, e sembla conil per l’esquina. A la fina, fresca color, al bon pretz et a la lauzor, léu pódon triar la melhor cilh que se fan conoicedor de mi vas cal part iéu ador. Rassa, als rics es orgolhosa, e fai gran sen a lei de tosa, que non vol Peitiéus ni Tolosa ni Bretanha ni Saragoza, ans es tant de pretz enveiosa qu’als pros paubres es amorosa. Póis m’a pres per castiador, prec li que·m tenha car s’amor, et am mais un pro vavaçor que comte ó duc galiador que la tengués a desonor. Rassa, rics hom que ren non dóna, ni honra ni acuolh ni sona, e que senes tort ochaisona, e, qui mercê·lh quier, non perdona, m’enóia, e tota persona que serviç’i non gazardona; e li ric home caçador m’enóian, e·l busacador gabán de volada d’austor, que jamais d’armas ni d’amor non parlará hom entre lor. Rassa, aiçó volh que vos plaça: rics hom que de guerra no·s lassa, ni no s’en recré per menaça, tró qu’hom se lais que mal no·l faça, val mais que ribiéira ni caça, que bon pretz n’acuolh e n’abraça. Maurin, ab N’Aigar, son senhor, tê hom per bon envasidor. E·l Vescoms defenda s’honor, e·l Coms deman la·lh per vigor, e veiam l’adés al Pascor! Marinér, vos avetz honor, e nos avêm camjat sènhor bon gerriér per torneiador! E prec a·N Golfiers de la Tor mos chantars no·lh faça paor. Papiol, mon chantar recor en la cort mon mal Bel Sènhor ! Be·m me platz lo gais temps de Pascor Be·m platz lo gais temps de Pascor, que fai fólhas e flors venir, e platz mi quand aug la baudor dels auzels que fant retentir lor chan per lo boscatge; e plaz me quand vei per los pratz tendas e pavailhons fermatz; et ai gran alegratge, quan vei per campanhas rengatz cavaliérs e cavals armatz. E platz mi quan li corredor fant las gens e l’aver fugir, e plaz mi, quan vei aprés lor gran ren d’armatz ensems venir; e platz m’en mon coratge, quand vei fortz chastels assetgatz e·ls barris rotz et esfondratz, e vei l’ost e·l ribatge qu’es tot entorn claus de fossatz, ab liças de fortz pals serratz. Et atressi·m platz de sènhor quand es primiérs a l’envazir en caval armatz, ses temor, qu’aissi fai los siéus enardir ab valen vassalatge. E póis que l’estorns es mesclatz, chascus deu ésser acesmatz e segre·l d’agradatge, que nulhs hom non es ren prezatz tró qu’a mains colps pres e donatz. Maças e brans, elms de color, escutz trancar e desgarnir veirêm a l’intrar de l’estor, e maint vassal essems ferir, don anarán aratge cavalh dels mortz e dels nafratz. E quand er en l’estorn intratz, chascus hom de paratge non pens mas d’asclar caps e bratz, car mais val mortz que vius sobratz. E·us dic que tant no m’a sabor manjar ni beure ni dormir cuma quand auch cridar: “A lor!” d’ambas las partz et aug bruír cavalhs voitz per l’ombratge, et aug cridar, “Aidatz, aidatz!” e vei cazer per los fossatz paucs e grans per l’erbatge e vei los mortz que pels costatz an los tronçôs ab los cendatz. Baron, metetz en gatge castels e vilas e ciutatz enans qu’usquecs no·us gerreiatz. Papiols, d’agradatge ad Oc-e-No te·n vai viatz e di·lh que trop estai en patz. |
Rassa(4), tanto cresce e sobe e aumenta aquela que de todo o engano é isenta, que o seu mérito às outras agasta, já que nenhuma o pode impedir: pois a visão da sua beleza arrasta os nobres ao seu serviço, seja como for; e se os mais sabedores e os melhores mantêm sempre o seu louvor e a têm pela mais graciosa, ela sabe ater-se à sua honra inteira: não quer mais do que um só adorador. Rassa, senhora tenho que é fresca e fina, gentil e alegre e menina, cabelo loiro, em cor de rubi, branca de corpo como flor de branco-espinho, o colo suave, com seio duro, e o dorso alçado como coelho. Pela sua fina e fresca cor, pelo seu bom nome e pelo louvor, poderão reconhecer a melhor, aqueles que querem saber de mim em que lugar adoro. Rassa, para os ricos é orgulhosa, e é sensata como o é uma moça que não quer Poitiers, nem Tolosa, nem Bretanha, nem Saragoça(5) antes é de honra tão desejosa que para os cavaleiros pobres é cortês. Pois me tomou por conselheiro, rogo-lhe que tenha caro o seu amor, e ame mais um vassalo generoso do que um conde ou duque mentiroso que a levariam à desonra. Rassa, rico-homem que nada dá, nem acolhe, nem gasta, nem a si chama, e que sem culpa acusa, e que, a quem mercê lhe pede, não perdoa, me aborrece, e toda a pessoa que serviço não galardoa. E os ricos-homens caçadores me aborrecem, e os passarinheiros gabando o voo do seu açor, que nunca de armas ou de amor se poderá falar entre eles. Rassa, eis o que vos peço que vos apraza: o rico-homem que de guerra não se cansa, nem se retrai por ameaças, até que o outro se canse e mal não lhe faça, vale mais que ribeira nem caça, pois o mérito acolhe e abraça. A Maurin, com D. Aigar, seu senhor, se tem por bom invasor. Defenda o Visconde o seu feudo e o Conde lho reclame pela força, e que o vejamos já pela Páscoa. Marinheiro, vós sois honrado, e nós trocámos um senhor bom guerreiro por um torneador. E peço a D. Golfier de la Tor que o meu cantar não lhe cause pavor. Papiol, o meu cantar socorre na corte do meu mau Belo-Senhor. Bem me apraz o alegre tempo de Páscoa, que faz as folhas e flores chegar, e apraz-me quando ouço a balbúrdia dos pássaros, que fazem ressoar o seu canto pelos bosques; e apraz-me quando vejo sobre os prados tendas e pavilhões montados; e tenho grande alegria quando vejo pelo campo alinhados cavaleiros e cavalos armados. E apraz-me quando os batedores fazem as gentes com seus haveres fugir, e apraz-me quando vejo depois deles muitos homens armados juntos vir; a apraz-me de coração quando vejo fortes castelos sitiados, e os muros rompidos e derrubados, e vejo a hoste nas margens dos fossos, toda à volta circundados por paliçadas de fortes estacas cerradas. E também me apraz o senhor quando é o primeiro a invadir a cavalo, armado, sem temor, que assim faz os seus inflamar de valente vassalagem. E depois que o combate é juntado cada um deve ser obstinado em segui-lo com coragem, pois nenhum homem é prezado sem muitos golpes ter recebido e dado. Maças e espadas, elmos de cor, escudos penetrar e partir veremos, e no combate e fragor muitos vassalos uns aos outros se atingir, e andarão errantes os cavalos dos mortos e dos feridos. E depois da luta começada, cada nobre cavaleiro mais não pense do que em cortar cabeças e braços, pois mais vale morto que vivo desonrado. Bem vos digo que não me dá tanto gosto comer, nem beber, nem dormir como quando ouço gritar “A eles!” de ambas as partes, e ouço relinchar os cavalos sem dono pelas sombras, e ouço gritar “Ajudai! Ajudai!”, e vejo jazer pelos fossos pequenos e grandes, sobre a erva, e vejo os mortos a quem, pelos costados, saem as hastes com as bandeirolas. Barões, antes empenhar castelos e vilas e cidades que deixardes de vos guerrear! Papiol, com bom grado, a Sim-e-Não vai-te depressa(6), e diz-lhe que está demasiado em paz. |
NOTAS
(4) Rassa é o senhal de Godofredo de Bretanha (irmão de Ricardo Coração de Leão), a quem o trovador se dirige.
(5) Segundo a longa razô que precede a cantiga nos cancioneiros, a amada do trovador, Maeut de Montanhac, era igualmente requisitada por quatro outros grandes senhores, aqui aludidos: Ricardo Coração de Leão, que era conde de Poitiers, Raimundo, conde de Tolouse, Godofredo de Bretanha (Rassa) e Afonso II de Aragão.
(6) Oc-e-No (Sim-e-Não) é o senhal de Ricardo Coração de Leão.
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